(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/11/2007)
O actual governo “devia governar um bocadinho mais à esquerda”, afirmou Mário Soares. Respondeu Vitalino Canas: "O PS governa à esquerda e de acordo com as possibilidades que tem de governar à esquerda".

Onde têm origem estas lateralidades? E porque se imiscuem conceitos políticos em histórias de evolução e biologia?
Comecemos pela primeira questão. A polaridade entre esquerda e direita surgiu no séc. XVIII durante a Revolução francesa. Esta demarcação despontou durante a fase da Monarquia Constitucional, quando os lugares da Assembleia Legislativa eram ocupados, à direita, pelos deputados da aristocracia, e à esquerda, o povo e a pequena e média burguesia.
Esta dualidade de atitudes e classes sociais, representada nessa câmara, impregnou para sempre a denominação política. Atitudes mais conservadoras e individualistas são designadas, genericamente, de direita. Posturas mais reformistas e de carácter socializante (por oposição a individualista) são consideradas de esquerda.

Mas onde entra então o tema natural da semana?

O grupo Pleuronectiformes, chamado peixes-achatados e com mais de 500 espécies, é geralmente conhecido pelos seus representantes linguado, solha e rodovalho, sofreu uma rotação do seu eixo de simetria.

Eixo de quê?
Pense, por exemplo, num ouriço-do-mar. Se o quiser dividir em duas partes iguais, pode escolher inúmeros planos de corte, desde que passem pelo centro do animal. Essa forma biológica tem simetria radial. Animais com simetria radial são essencialmente organismos que vivem fixos.
Imagine agora o leitor que é um assassino em série – imagine só!
Se nos quiser dividir em duas partes iguais só o poderá fazer de um único modo – olhos nos olhos, começa a dissecar da cabeça até à zona do “baixo-ventre”, como dizem os comentadores desportivos. Obteria, assim, duas partes iguais – pelo menos exteriormente… Animais com essa forma, e são-no a grande maioria, desde as baratas ao melhor escritor, têm simetria bilateral.

A história evolutiva dos peixes-achatados apresenta uma particularidade morfológica sui generis. Estes peixes adquiriram hábitos de caça a partir de fundos marinhos, especialmente arenosos, onde se escondem. É nesses substratos que se enterram, num comportamento de mimetismo e emboscada. Para minimizar a área exposta, deveriam colocar-se enterrados de lado, ficando, assim, só com um dos lados do animal à “coca”. Pouco prático. A selecção natural favoreceu a migração de um dos olhos para o outro lado, ou seja, o olho direito migrou para o lado esquerdo – embora existam casos em que a migração é inversa. Assim, os peixes-achatados, como a solha, já poderiam camuflar-se melhor nos fundos arenosos marinhos.

A migração do olho à esquerda conferiu a este grupo de peixes uma maior vantagem evolutiva, ante outros que tinham métodos de emboscada semelhantes. De simetria bilateral, a solha passou a simetria pseudo-bilateral. O crânio sofreu também rotação semelhante, tornando-se a solha um animal em que o lado esquerdo se tornou o “dorso” e o lado direito o “ventre”.
O curioso é que, durante a metamorfose larvar, esta apresenta uma forma simétrica, ou seja, com um olho de cada lado do corpo. Apenas durante o desenvolvimento posterior, entre o 10º e 28º dias, é que se dão as alterações que determinam a assimetria descrita - ver vídeo abaixo.

Para se adaptar a novas condições de vida, este grupo de peixes teve que “virar” à esquerda. Terá o PSD, devido às políticas do PS, que sofrer o “Efeito Solha”, ou seja, rodar à esquerda?

REFERÊNCIAS
Schreiber, A. M. 2006. Asymmetric craniofacial remodeling and lateralized behavior in larval flatfish. The Journal of Experimental Biology. 209, 610-621.

Shankland, M., and Seaver, E.C. 2000.Evolution of the bilaterian body plan: what have we learned from annelids? Proc. Nat. Acad. Sci. USA. 97:4434-4437.

ALEX SCHREIBER LAB

IMAGENS
1 e 4 - Schreiber (2006)
2 - Ikumi Kayama
3 - Shankland&Seaver (2000)